Na literatura e no cinema, Jorge Amado expõe a desigualdade social, sem deixar a literatura poética de lado
Jorge Amado sempre foi um dos meus preferidos. Eu nunca fui à Bahia. Nunca comprei acarajé de uma baiana nata, nem andei pelo Pelourinho com o pulso cerrado por fitinhas
do Senhor do Bonfim. Mas conheço bem o sol escaldante da terra de todos os santos e o
macio de seu areal. Jorge Amado me fez conhecer um pedacinho do nordeste através da
sua literatura envolvente; sua poesia safada mesclada com crítica social.
Caminhando pelas novidades cinematográficas, esbarro em título chamativo –
geralmente meus olhos se magnetizam pelos nacionais: Capitães de Areia. O baiano
novamente ultrapassa o papel e invade o audiovisual? Sempre digno de atenção
redobrada. Puxei da estante um dos maiores clássicos, não só da lista do autor, mas de
toda literatura brasileira, e morei por alguns dias no trapiche que abriga os meninos que
dão vida ao livro do amado Jorge.
Sempre uma surpresa, mas ao mesmo tempo algo previsível. Afinal, estar diante de
um romance de Jorge é ter a certeza de que será envolvido por todos os lados, sem
escapatória, mas nunca se sabe o que esperar da próxima página, qual a delícia literária
que vai te abraçar fortemente.
Em Capitães de Areia não é diferente. O leitor se envolve em cada pequena história
dos grandes, apesar da pouca idade, meninos baianos. Em capítulos curtos, peripécias
romanescas, aventuras que apostam na sorte e idealização do tipo humilde e excluído
vão construindo a trama que traz à tona a desigualdade social. Um mundo que deixa
claro quem é rico e quem é pobre nos é jogado na cara, sem perder a sutileza das
palavras escolhidas a dedos pelo autor.
O mais impressionante é a atualidade do livro. O assunto e as questões sociais que
Capitães de Areia traz em outra época têm a mesma validade nos dias de hoje. A
história de crianças de rua de oito a dezesseis anos, filhos apenas da marginalidade e
da pobreza, é explorada com profundidade nas terras da Bahia, mas a mesma situação
se espalha em tantas outras cidades brasileiras. Em condições precárias de vida,
submetem-se ao roubo e outros delitos para conseguir sobreviver dia após dia. Ao
decorrer da leitura, Pedro Bala, Professor, Gato, João Grande, Pirulito, Volta Seca, Dora
e tantas outras crianças, reflexos da narrativa, nos envolvem até com o livro fechado.
Jorge Amado não manifesta piedade ou condescendência pelos seus “delinquentes”,
mas traz momentos em que a infância e os sonhos de crianças, como no encontro com
o “carrossel com as luzes coloridas”, fazem-nos enxergar que são apenas crianças
vítimas da ausência da família, da escola, da vida nos cortiços e nas favelas, como tantas
outras longes das páginas literárias.
Pela temática atual e por cumprir com o papel da literatura de ser crítica e bela ao
mesmo tempo, a obra Capitães de Areia carrega dignidade de sobra para ir ao cinema,
mesmo tanto tempo depois de ser escrita.
Texto: Jaqueline Dias
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